Os viéses cognitivos são como filtros invisíveis que moldam nossas percepções e influenciam nossas escolhas diárias. Em meio ao turbilhão de informações que processamos, nosso cérebro utiliza atalhos mentais para simplificar o processo de tomada de decisão.
Esses atalhos otimizam nossa eficiência em decisões corriqueiras, no entanto, eles também nos predispõem a certos erros, e nem sempre nos conduzem ao caminho mais racional. Neste artigo, vamos desvendar o que são os viéses cognitivos, como eles se originam e como podem afetar nossas escolhas do dia a dia. Confira!
O que são viéses cognitivos?
Os viéses cognitivos, também conhecidos como viéses inconscientes ou heurística, são padrões sistemáticos de desvio do pensamento racional ou lógico. Eles ocorrem devido à nossa tendência de processar e interpretam as informações de maneiras subjetivas, com base em informações parciais ou impressões, muitas vezes incorretas.
Em outras palavras, são erros de julgamento inconscientes, situações em que nossas opiniões, expectativas ou preconceitos nos levam a uma percepção distorcida da realidade. Esses viéses podem afetar diversas áreas da vida, incluindo tomada de decisões, julgamentos sociais e interpretação de eventos.
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Como se originam os viéses inconscientes
Daniel Kahneman, vencedor do prêmio nobel e autor de best sellers como Rápido e devagar e Ruído, foi um dos maiores estudiosos sobre o tema. Segundo ele, temos 2 mecanismos de tomada de decisão, o sistema 1 e o sistema 2:
- Sistema 1: opera automática e rapidamente, com pouco ou nenhum esforço e nenhuma percepção de controle voluntário. Presente em situações como compreensão de sentenças simples, detecção de distância entre objetos, responder 2+2=…
- Sistema 2: aloca atenção às atividades mentais laboriosas que o requisitam. Presente quando realizamos cálculos complexos, nos concentramos em um diálogo em uma sala cheia e barulhenta, contamos a ocorrência da letra a em uma página ou verificamos a validade de um argumento lógico complexo, por exemplo.
Na maior parte do tempo, nosso sistema 1 é quem está ativo. Por outro lado, como o sistema 2 requer maior gasto de energia, este só é recrutado quando estritamente necessário, ou seja, em situações em que o sistema 1 não consegue resolver sozinho.
Essa predominância do sistema 1 é essencial para a tomada rápida de decisões, já que tomamos milhares delas por dia. Contudo, esta forma automática de operação é o que nos deixa suscetíveis aos viéses inconscientes.
“Isso é a essência das heurísticas intuitivas: quando confrontados com uma questão difícil, muitas vezes respondemos a uma mais fácil em lugar dela, normalmente sem perceber a substituição.”
Daniel Kahneman, em Rápido e Devagar
Esse sistema 1 é também caracterizado por gatilhos de reação rápida, chamados de sistema “clique, rode” por Rober Cialdini, autor de Armas da Persuasão.
“A vantagem dessas reações de atalho está na eficiência e na economia… (de) tempo, energia e capacidade mental cruciais. A desvantagem está na vulnerabilidade a erros tolos e custosos ao reagir a apenas um elemento da informação disponível…”
Robert Cialdini, em Armas da Persuasão 2.0
Quais são os tipos de viéses cognitivos?
Atualmente, há mais de 180 viéses cognitivos já identificados e caracterizados. Em geral, eles podem ser classificados em diferentes tipos com base em seus efeitos, embora alguns deles tenham características em comum. Veja algumas categorias e os principais exemplos de viéses cognitivos de cada tipo:
Viéses de processamento de informação
Esses viéses afetam como as informações são percebidas, interpretadas e lembradas. Ex:
- Viés de confirmação: quando buscamos interpretar e lembrar informações de maneira a confirmar nossas próprias crenças, ignorando evidências contrárias.
- Viés de disponibilidade: ato de estimar a frequência de um evento, com base no quão fácil consegue lembrar de um exemplo similar ocorrido.
- Viés de ancoragem: tendência de depender excessivamente de uma informação inicial (“âncora”) ao fazer decisões, mesmo que essa informação seja irrelevante ou pouco confiável.
Viéses de memória
São aqueles relacionados à forma como lembramos eventos passados e informações. Ex:
- Efeito de retrospecto: ocorre ao ver eventos passados como sendo mais previsíveis do que realmente eram antes de ocorrerem, especialmente após conhecer o resultado. Isso pode levar a uma falsa sensação de que eventos passados eram mais óbvios ou previsíveis do que realmente foram.
- Viés de sugestionabilidade: condição de lembrar informações de maneira distorcida ou incorreta após receber sugestões de outra pessoa.
- Efeito de primazia: tendência de lembrar melhor os primeiros itens em uma lista de informações do que os itens do meio.
Viéses de decisão
São as heurísticas que exercem influência mais direta sobre as nossas decisões. Ex:
- Viés de aversão à perda: quando nossas ações são mais afetadas pelo medo de perder algo que já temos do que pelo desejo de alcançar um ganho equivalente.
- Efeito de status quo: tendência de preferir manter as coisas como estão, mesmo que uma mudança possa ser benéfica.
- Viés da omissão: tendência a julgar as ações negativas com mais severidade do que a omissão, mesmo que ambas tenham consequências semelhantes.
Viéses sociais e interpessoais
Ocorrem em interações sociais e podem afetar nossos julgamentos e comportamentos em relação a outras pessoas ou grupos. Ex:
- Viés de homogeneidade do grupo: tendência a perceber membros de grupos externos como mais semelhantes entre si do que os membros do próprio grupo, ignorando a diversidade dentro desses grupos.
- Efeito de halo: propensão a generalizar a impressão positiva ou negativa de uma pessoa, atribuindo a ela características semelhantes em todas as áreas.
- Efeito adesão: também conhecido como efeito manada. É a tendência de pensar ou agir de determinada maneira apenas porque muitas pessoas o fazem.
Viéses motivacionais
Estes são influenciados por nossas motivações, desejos e emoções, muitas vezes relacionados à nossa autoimagem. Ex:
- Viés da autoconveniência: tendência a interpretar e recordar informações de maneira a favorecer a própria imagem, minimizando falhas pessoais e atribuindo mais a si os sucessos do que as falhas.
- Efeito de superioridade ilusória: crença de que se está acima da média em várias dimensões, como inteligência, habilidades sociais e moralidade, mesmo quando não há evidências objetivas para isso.
- Efeito Dunning-Kruger: ocorre quando pessoas com baixa qualificação em uma tarefa superestimam sua competência.
Viéses de percepção
Estes afetam como percebemos alternativas, estímulos ou situações. Ex:
- Efeito de contraste: alteração da percepção de um estímulo devido à exposição a estímulos contrastantes, como perceber um objeto mais pesado após levantar um objeto mais leve.
- Viés da distinção: tendência de avaliar duas opções de forma diferente quando comparando ambas do que quando avaliando as mesmas separadamente.
- Efeito da denominação: propensão a gastar mais dinheiro quando o temos em notas pequenas (ex: 10 notas de R$10) ao invés de uma única nota grande (uma cédula de R$100).
Exemplos de como os viéses cognitivos influenciam nossa tomada de decisão
Bem, você já deve ter percebido como alguns dos viéses inconscientes afetam nossas ações. Aliás, muitas das empresas, influenciadores e meios de comunicação direcionam suas ações de marketing justamente para nos levar a essas decisões induzidas por viéses.
Em seu livro Armas da Persuasão, Robert Cialdini dá alguns exemplos e mostra como podemos evitar certas armadilhas e até utilizar alguns deses gatilhos a nosso favor. Veja a seguir algumas situações corriqueiras em que os viéses afetam nossas ações:
O viés da ancoragem e o anúncio de promoção do supermercado
Sabe quando uma ação promocional no supermercado mostra o preço habitual do produto e, em seguida, o preço do mesmo na promoção? O bom e velho “de x reais, por apenas y reais”.
Isso não é por acaso! Trata-se de uma estratégia para fazer você sentir maior impacto na redução do preço ao comparar os valores, devido ao viés da ancoragem. Ao visualizar a “âncora” (preço usual, mais caro) em comparação ao valor menor da promoção, este último parece bem mais barato, e você se sente mais tentado a comprar. Essa estratégia é bem comum em páginas de vendas online, já reparou?
O efeito contraste também afeta nossas decisões de compra
Esse viés é utilizado no marketing de forma similar ao efeito âncora citado acima. Para tirar proveito dele, um vendedor pode mostrar o item mais caro primeiro, para que você tenha impressão de que o próximo produto, mais barato, é uma pechincha.
“Para vendedores é mais lucrativo apresentar o item caro primeiro. Deixar de fazer isso significa perder a força do princípio do contraste.”
Robert Cialdini, em Armas da Persuasão 2.0
De forma semelhante, um corretor de imóveis pode primeiro mostrar um imóvel pouco atraente com preço alto. Pois quando mostrar uma casa interessante para o comprador, com um preço aparentemente razoável, esta última se torna quase irresistível.
Efeito adesão na escolha de um restaurante
Você está procurando por um lugar para jantar. Se depara com 2 restaurantes similares, ambos parecem atrativos. Porém, um deles tem uma fila de espera na porta, enquanto o outro não aparenta ser tão disputado.
Em uma situação como esta, tendemos a sentir maior atração pela segunda opção. Afinal, muitas pessoas optaram por aquele local, logo, ele deve ser melhor, ainda que não haja nenhuma evidência concreta de que isso seja verdade.
Não é à toa que muitos restaurantes, bares e baladas deixam pessoas em fila na entrada, ou dificultam a entrada sem reserva antecipada, mesmo que haja mesas disponíveis. Assim, esses lugares aparentam ser mais requisitados do que realmente são.
Viés de confirmação na seleção de notícias
Ao navegar por um site de notícias ou redes sociais, você pode ser mais propenso a clicar em artigos que confirmam suas opiniões preexistentes sobre um determinado assunto. Isso ocorre devido ao viés de confirmação, que nos leva a buscar e valorizar informações que corroboram nossas crenças, enquanto ignoramos ou minimizamos aquelas que as contradizem.
Aliás, a frequência com que essas notícias aparecem para você também não é por acaso. Os algoritmos das redes sociais são projetados para maximizar o engajamento do usuário. Para isso, eles analisam o seu perfil, suas interações passadas e suas preferências para determinar quais conteúdos são mais propensos a capturar sua atenção.
Como resultado, os tópicos que confirmam suas opiniões e interesses do usuário têm maior probabilidade de aparecer em destaque no seu feed, enquanto conteúdos divergentes podem receber menos visibilidade. Dessa forma, o algoritmo das redes sociais acaba fortalecendo ainda mais o viés de confirmação.
Fique atento às armadilhas da decisão!
Se você acha que suas decisões são sempre coerentes e bem embasadas, pense de novo. Aliás, se você chegou até aqui, percebeu que muitas das nossas ações resultam de escolhas inconscientes feitas de forma automática pelo nosso sistema 1, como diz Kahneman, ou sistema clique, rode, na denominação de Cialdini.
Seja como for o nome dado, esse sistema de decisões rápidas é inerente a todos nós e essencial para lidarmos de forma eficaz com as milhares de decisões que precisamos tomar todos os dias. No entanto, o efeito colateral desses atalhos é que nossas ações acabam ficando sujeitas a erros de julgamento, os chamados viéses cognitivos.
Esses viéses fazem parte das nossas rotinas e da nossa condição de humanos. No entanto, quanto maior a nossa consciência acerca desses mecanismos, menores serão as chances de cairmos em armadilhas indesejadas.
Se você chegou até aqui, já está ciente de que sua mente pode (e vai!) lhe pregar peças em diversas situações. E, além disso, os próprios meios de comunicação estão preparados para se valer das nossas falhas de julgamento. Mas, com o conhecimento que adquiriu, você já está mais preparado tomar decisões mais assertivas mesmo frente a essas situações.
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