No livro Nação Dopamina, a dra Ana Lembke explica porque a busca desenfreada por prazer e a fuga do sofrimento pode levar a mais sofrimento. Para isso, ela explica os mecanismos de ação da dopamina no nosso cérebro, explorando tanto seus efeitos imediatos quanto os tardios, como eles podem levar à dependência e como se libertar desse ciclo.
Aliás, vale comentar que esses efeitos não se restringem a drogas lícitas e ilícitas, mas também se aplicam a comportamentos adictivos, como sexo, jogos, uso compulsivo do celular, entre outros.
Nesse artigo você vai conhecer as principais lições do livro Nação Dopamina, como os mecanismos da adicção e da tolerância, como e por que o prazer imediato pode trazer insatisfação e quais são as ações necessárias para se libertar da dependência. Confira!
Esse artigo é baseado no livro Nação Dopamina. Alguns dos conceitos mais detalhados explorados na obra, bem como os relatos de casos não serão citados aqui, pois o foco é trazer apenas um overview com as lições principais.
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Os perigos da busca incessante por prazer e da facilidade em obtê-lo
A fuga do sofrimento e a busca pelo prazer são características naturais, que, aliás, foram favorecidas pela Evolução. Contudo, nunca antes na História a humanidade teve acesso tão facilitado a fontes de prazer (comidas gordurosas e açucaradas, drogas, bebida), formas de alívio rápido do sofrimento (antidepressivos, ansiolíticos) e distrações para fugir do tédio (smartphone, TV, video-game).
No entanto, essa abundância de distrações e prazeres não parece estar melhorando a qualidade de vida das pessoas. Pelo contrário, estamos construindo uma cultura de constante busca por felicidade e fuga do sofrimento, enquanto criamos tolerância aos mecanismos de obtenção rápida de prazer/ alívio, obtendo cada vez menos satisfação.
Quanto mais fácil o acesso à droga, maior a chance de adicção
Um dos problemas do acesso facilitado a substâncias que geram prazer imediato é o fato de que, quanto maior a disponibilidade, maior o potencial de causar vício. Uma evidência dessa relação ficou clara com a derrubada da Lei Seca, nos EUA.
Logo após esse acontecimento, foi observado um aumento significativo nos casos de problemas hepáticos e sociais relacionados ao alcoolismo.
Com isso, a autora destaca os perigos aos quais as gerações atuais estão suscetíveis frente ao acesso facilitado a praticamente qualquer tipo de droga ou comportamento adictivo.
Relação da dopamina com a adicção
Quando nos expomos à substâncias ou comportamentos que geram prazer imediato, nosso cérebro aprende que isso é bom e lembra de tentar repetir esse estímulo sempre que possível, associando sinais a esse comportamento. Esse processo é chamado de aprendizagem dependente de sugestão.
Exemplos práticos disso são sentir água na boca ao ver uma torta exposta em uma vitrine de confeitaria ou a gana de beber ao ver uma garrafa de cerveja, ou ao passar por um bar. Essas reações são mediadas pela liberação de dopamina no sistema de recompensa do cérebro.
Quando a sugestão condicionada é apresentada (a visão da droga de escolha, ou de algum lugar, ou contexto associado a ela), o pico de dopamina que se segue leva a um intenso desejo de obter a sensação de prazer associada àquele sinal.
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O equilíbrio prazer-sofrimento
Um dos pontos mais interessantes destacados no livro Nação Dopamina é o fato de que as regiões do cérebro relacionadas às sensações de prazer e sofrimento são interpostas. Isso indica que, embora pareçam duas sensações opostas, existe uma relação de equilíbrio entre elas.
Na prática, ocorre que o cérebro busca estabelecer um equilíbrio entre prazer e sofrimento: quando a balança se desloca para o lado do prazer (relacionado a estímulos dopaminérgicos), em seguida, entra em ação um mecanismo compensatório, que ativa o lado do sofrimento, a fim de restabelecer o equilíbrio.
Neuroadaptação e tolerância
A repetição do processo mencionado acima (prazer imediato-ativação do mecanismo regulatório para equilibrar a balança) acaba induzindo à neuroadaptação. Com isso, a quantidade de prazer obtida inicialmente já não faz o mesmo efeito.
Assim, o indivíduo acaba tendo que recorrer a quantidades cada vez maiores da droga para se satisfazer. Contudo, o sofrimento que se segue após o prazer dura mais tempo e é mais intenso do que o prazer do qual se originou. E para piorar ainda mais, a exposição repetida ao prazer reduz a tolerância ao sofrimento. Como resultado, o indivíduo entra em um ciclo de eterna insatisfação.
O outro lado da balança: a tolerância à dor
A relação inversa também se aplica: assim como criamos tolerância ao prazer, também criamos ao sofrimento. Portanto, se expôr deliberadamente à dor ou sofrimento pode levar à sensação de prazer em seguida, devido ao mesmo mecanismo compensatório mencionado.
Algumas formas de fazer isso são por meio de banhos gelados e exercícios físicos. Ambos estímulos podem causar desconforto. Porém, logo em seguida, sobrevém uma sensação de bem-estar ao término da atividade em questão.
Embora seja uma abordagem interessante, não é totalmente livre de riscos, pois há casos em que a própria dor pode causar dependência. Quando isso ocorre, o indivíduo pode acabar buscando doses cada vez maiores de dor, se expondo a situações de risco para sua integridade física.
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O autocomprometimento é necessário para superar a dependência
Segundo o livro Nação Dopamina, o autocomprometimento ocorre quando a pessoa reconhece a perda da sua voluntariedade em relação ao comportamento adictivo e decide adotar medidas para evitá-lo. Essas medidas se baseiam em criar, de forma intencional, barreiras entre si e a droga de escolha.
Autocomprometimento físico
Consiste em impôr barreiras físicas que dificultem o acesso à droga de escolha. Ex:
- não ter bebidas alcóolicas na geladeira ou evitar ter doces na despensa;
- guardar a TV ou o video-game em um armário fechado de difícil acesso.
Autocomprometimento cronológico
Ocorre quando o indivíduo determina metas e limites de tempo. Ex:
- beber apenas no final de semana, somente após as 17 h;
- aplicativos que limitam o uso das redes sociais no smartphone por um intervalo determinado;
- fumar maconha só após o período de provas, só nas férias.
O principal desafio da abordagem cronológica se dá pelo fato que as drogas dopaminérgicas reduzem a capacidade do usuário de adiar a recompensa. Ou seja, o usuário se torna imediatista, com tendência a valorizar mais a gratificação imediata em detrimento de um planejamento de médio a longo prazo.
Autocomprometimento categórico
Envolve uma postura de máximo distanciamento da droga e de tudo o que se associe a ela. Ex:
- Evitar andar por ruas onde há oferta da droga de escolha;
- cortar relações com usuários da droga em questão e se afastar de antigos parceiros de consumo;
- bloquear sites e canais de conteúdo pornográfico;
O método desenvolvido pela dra Lembke para tratar a dependência
No livro Nação Dopamina, a dra Ana Lembke descreve seu método para tratar tanto a dependência de substâncias (drogas lícitas ou ilícitas) quanto de comportamentos (sexo, jogos de azar). Essa abordagem se baseia em 8 pilares que podem se referidos pelo acróstico DOPAMINE (dopamina em inglês):
- D: dados– a coleta de informações é o primeiro passo do tratamento, no qual ela faz a anamnese do paciente;
- O: objetivos– quais são os objetivos que levam ao uso da substância ou comportamento? Ex: diversão? Interação social? Lidar com medos, ansiedade, tédio…?
- P: problemas– quais são os problemas que a substância ou comportamento adictivo trazem na vida da pessoa? Aspectos negativos relacionados à saúde, questões, sociais, morais, financeiras, etc.
- A: abstinência– É necessário um período de, pelo menos, 4 semanas de abstinência da droga ou comportamento adictivo a fim de restaurar a homeostase e verificar o real impacto do vício. É na abstinência que a relação causa-efeito da droga fica mais clara.
- M: mindfulness: consiste em observar os próprios sentimentos e pensamentos sem julgamento. Essa abordagem é especialmente importante nas 2 primeiras semanas de abstinência, pois é comum que, nesse momento, pensamentos negativos venham à tona. O mindfulness se torna essencial para o autoconhecimento e para superar com mais serenidade essa fase de desconforto.
- I: insight– sobre o estado atual. Quais descobertas vieram com a abstinência? Ex: ansiedade ou depressão podem ter ido embora ao final do período de abstinência. Caso isso não ocorra, é possível que os motivos reais dessas emoções sejam esclarecidos (como um trauma passado ou um medo atual).
- N: novos passos– quais são os próximos passos após o período de abstinência? Retomar o uso ou abandonar? Quais são os planos a seguir?
- E: experimento– refere-se a experimentos para restaurar o balanço prazer-sofrimento. A obtenção desse equilíbrio requer um processo de aprendizagem por tentativa e erro a fim de encontrar as abordagens e estratégias que funcionam para si próprio.
Honestidade radical: um requisito indispensável para a recuperação
As mentiras e a dissimulação são traços característicos do vício. O hábito de mentir para encobrir o uso das drogas se torna tão comum que acaba se tornando o padrão, chegando a um ponto em que o usuário mente até mesmo quando não é necessário. Esse ciclo acaba causando isolamento emocional.
Em contrapartida, o processo de recuperação requer uma quebra desse padrão. Para isso, é necessário adotar a honestidade radical: falar sempre a verdade, por mais difícil que seja, e assumir as consequências que virão.
A honestidade radical envolve transparência, mesmo que isso exponha nossas falhas e fraquezas. Mesmo que pareça contraintuitivo, essa atitude de assumir a própria vulnerabilidade atrai as pessoas e favorece conexões mais íntimas.
Outro ponto crucial da honestidade radical consiste em assumir responsabilidade pelos próprios atos. Essa postura inspira confianças perante os outros e consigo próprio. Além disso, libera a energia mental até então investida em criar uma falsa realidade, o que leva a maior bem-estar e paz mental.
O papel da vergonha na recuperação
Sentir vergonha dos próprios comportamentos inadequados é natural e pode prejudicar ou favorecer a recuperação da dependência. No livro Nação Dopamina, esses contextos são explicados diferenciando-os em vergonha destrutiva e vergonha pró-social:
Vergonha destrutiva
Ocorre quando o indivíduo não se sente à vontade para se abrir com outras pessoas por medo de ser excluído, pois sente que não será compreendido nem tampouco apoiado. O ciclo da vergonha destrutiva pode ser descrito da seguinte forma:
- o hiperconsumo (da droga ou comportamento dopaminérgico) leva ao banimento do grupo (comunidade, família, igreja…) ou a mentir para evitar o banimento;
- em ambos casos, o indivíduo se sente isolado, o que favorece a manutenção do comportamento adictivo em segredo, gerando um ciclo de isolamento e mentiras.
O antídoto para a vergonha destrutiva é a vergonha pró-social.
Vergonha pró-social
Ocorre quando o indivíduo sente vergonha do próprio comportamento inadequado, porém, encontra um espaço de acolhimento e oportunidade para se recuperar, com apoio do grupo em que está inserido.
A vergonha pró-social se baseia na ideia de que todos somos falhos e dignos de perdão e apoio. O ciclo da vergonha pró-social pode ser descrito assim:
- o hiperconsumo leva à vergonha,
- a vergonha leva à necessidade de honestidade radical, que conduz não ao banimento, mas sim a aceitação e empatia;
- há um conjunto claro de ações necessárias para se corrigir.
Um exemplo de grupo baseado na vergonha pró-social é o Alcoólicos Anônimos (AA). Cada indivíduo do grupo é acolhido e aceito sem julgamentos. O conjunto de ações para a recuperação são os 12 passos do AA. Quando um membro tem uma recaída, ele deve ser honesto e se abrir para o grupo, que irá acolhê-lo e ajudá-lo a retomar a jornada de recuperação.
Lições finais do livro Nação Dopamina
- A busca incessante pelo prazer e a fuga do sofrimento leva a mais sofrimento;
- a recuperação começa com a abstinência;
- a abstinência reconfigura o sistema de recompensa e a capacidade de voltar a sentir alegria nos prazeres mais simples;
- o autocomprometimento é necessário para criar espaço entre o desejo e o consumo;
- medicamentos podem aliviar a dor, mas é necessário estar atento às consequências e possíveis danos que podem se seguir ao consumo desses fármacos;
- pender um pouco para o lado do sofrimento reconfigura o equilíbrio para o lado do prazer;
- mas é preciso ter cuidado, pois o sofrimento também pode causar dependência;
- a honestidade radical impulsiona a conscientização e favorece conexões mais íntimas;
- a vergonha pró-social é benéfica e confirma que pertencemos à tribo humana;
- em vez de fugir do mundo, devemos mergulhar nele.
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